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Todo mês, mais de 4 milhões de trabalhadores deixam seus empregos de forma voluntária nos Estados Unidos. O recente fenômeno recebeu o nome de “Grande Renúncia” (Great Resignation). Ganhar um salário mais vantajoso, mudar para um ambiente de trabalho mais saudável e melhorar a qualidade de vida são as três principais razões de quem abre mão do crachá – em sua maioria, jovens, de perfil urbano e do setor de serviços. 

Aqui pelo Brasil, janeiro registrou a maior taxa de pedidos de demissão em oito anos. Segundo recorte da LCA Consultores, a partir de microdados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 544.541 brasileiros decidiram abandonar seus trabalhos no primeiro mês de 2022 – foram 542.685 em janeiro de 2014. A estatística intriga especialistas, pesquisadores e economistas, que se perguntam: seria esse o início da “Grande Renúncia” no país? 

Análise mais apressada pode confirmar que o fenômeno com origem nos EUA e já observado em nações europeias agora segue seu curso com desembarque no Brasil. Porém, uma investigação mais aprofundada e abrangente, sobretudo em relação às peculiaridades socioeconômicas do país, oferece resposta mais embasada e assertiva. 

Deixar para trás o nome corporativo em busca de outro estilo de vida, no qual se prioriza o bem-estar pessoal em detrimento às estruturas tradicionais de trabalho, parece ser o fator comum para a movimentação de trabalhadores americanos, europeus e brasileiros. Há, contudo, nuances que tornam esse movimento bem diferente no exterior e aqui, sobretudo na comparação entre Brasil e Estados Unidos. 

Por exemplo, os postos de trabalho disponíveis. Em um país cujo índice de desemprego beira a zero – a desocupação está na casa de irrisórios 4% -, o caminho para quem quer se tornar um nômade corporativo torna-se mais amigável e até convidativo. É diametralmente oposto ao contexto brasileiro, com 12,4 milhões de desempregados (11,6% da população ativa, segundo números finais de 2021, do IBGE). Em janeiro, foram abertas 155.178 vagas formais no Brasil, 39% a menos que o observado no mesmo mês de 2021. São cenários antagônicos, portanto.

Aqui entra outro detalhe fundamental para entender e diferenciar a “Grande Renúncia” em países desenvolvidos e em uma nação em desenvolvimento como a nossa. No Brasil, o movimento se restringe a uma pequena parcela da população economicamente ativa. Em resumo, aqui entra um elemento central e, infelizmente, essencial de nossa estrutura social: a desigualdade. É um fator que salta aos olhos e fica bem perceptível ao dividirmos as demissões por setores. 

Em volume, o comércio, segundo maior empregador do país, teve mais demissões voluntárias: entre julho e novembro, quase 148 mil contratos de trabalho foram desfeitos a pedido dos funcionários. A pandemia pode explicar parte das demissões, pois houve aumento considerável de pessoas que largaram a vida corporativa para apostar no próprio negócio. Dados da Receita Federal apontam crescimento constante na abertura de empresas individuais.

Já no setor de serviços, percebe-se uma realidade um pouco diferente, especialmente na área de TI e demais atividades ligadas ao digital. Com perfil profissional mais qualificado, o segmento teve taxa de desemprego de 6,3% no terceiro trimestre de 2021, segundo o IBGE. O isolamento e o home office trazidos pela pandemia abriram possibilidades, mas o recente retorno ao presencial reapresentou o “velho normal” a esses profissionais. 

Com um mercado muito aquecido, cheio de ofertas vantajosas de empresas estrangeiras, estimuladas pelo câmbio favorável, eles resolveram fincar o pé e aderir de vez aos benefícios do trabalho remoto – flexibilidade, menos gasto com deslocamento, alimentação mais cara na rua ou mesmo o conforto do home office. Assim, o setor é o principal motor da “Grande Renúncia” em solo brasileiro.

As outras áreas em que há mais debandadas e consequente disputa pelos talentos são logística (desde manutenção e operação de novos equipamentos, como drones, à cadeia de gestão de compras online) e a área técnica do agronegócio (melhora de produtividade e distribuição de alimentos).

Portanto, na prática o que se observa é uma “Grande Renúncia” à brasileira, um quadro típico de nosso país desigual, no qual uma massa de trabalhadores busca um emprego qualquer para sobreviver à crise sanitária e econômica, enquanto outros poucos privilegiados social e economicamente podem escolher como vão trabalhar.

Soraya Clementino e Raquel Teixeira são advogadas e sócias do Clementino & Teixeira Advocacia.